quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Frondosas e problemáticas

Árvores da W3 ajudam a compor a beleza de uma via hoje desvalorizada, mas o fato de a maioria delas ter vindo de regiões fora do cerrado tem preço alto: crescimento desordenado e muitas quedas

O conceito de cidade-parque idealizado por Lucio Costa para o plano urbanístico de Brasília, quando bem executado, deixa a cidade com um agradável ar bucólico e agrega qualidade de vida aos moradores. Mas o mínimo descuido pode dar às largas avenidas um jeitão de abandono. É o caso da W3. Tida como nobre três décadas atrás, a via sofre hoje com a desvalorização dos imóveis e, também, com a força da natureza que faz as árvores se tornarem obstáculos para motoristas e pedestres.

A avenida de 12 quilômetros de extensão é permeada por vegetação na margem oeste, no canteiro central e, dependendo do lugar, no lado leste, principalmente nas entrequadras. Curiosamente, espécies extraídas da Mata Atlântica(1) e não do cerrado foram escolhidas para emoldurar o asfalto. A justificativa da Novacap, órgão responsável pela arborização da capital, é que elas ofereceriam maior sombra e diversidade.

Ao mesmo tempo em que dão sombra, essas mesmas espécies crescem de forma desordenada, tanto para cima quanto para os lados. A copa de várias delas tampa a visão do motorista próximo a semáforos e impede que a luz dos postes chegue até o solo, concentrando-se em um local que não precisa ser iluminado — a própria copa. Isso sem contar os reguladores de velocidade: eles parecem ter sido estrategicamente posicionados atrás de plantas mais volumosas, como uma armadilha para o motorista mais apressadinho.

Carlos Gomes, conhecido como Toninho Chaveiro, trabalha há 20 anos na calçada da Entrequadra 708/709 Norte e diz já ter visto de tudo no cruzamento em frente ao seu quiosque. “Um dia vou trazer uma filmadora de casa só para mostrar os absurdos que ocorrem nesta pista”, promete. Coincidentemente, em frente ao local de trabalho de Toninho, um galho de árvore impede que o semáforo seja perfeitamente visualizado pelos motoristas.

Pior ainda quando chove forte, como recentemente. As espécies mais antigas sucumbem às rajadas de vento e desabam, impedindo a circulação de veículos e de pessoas, como ocorreu no começo da semana, na altura da 705 Sul. Um exemplar da espécie cambuí caiu caprichosamente na passagem das quadras 700 para as 500, e somente no início da noite o trânsito foi liberado. Na terça-feira, ela foi cortada em pedaços para facilitar a limpeza da calçada.

Moradora de Brasília desde janeiro de 1960, a gaúcha Doralia Galesso, de 85 anos, é ecologista e pede melhor conservação na W3. “Se os galhos grandes fossem podados com frequência, não haveria necessidade de sacrificar algumas árvores”, diz. Opinião idêntica à do bancário Rogério Araújo, morador da 713 Sul. “O que poderia ser feito é analisar qual planta está comprometida e retirá-la, para não cair na rua. Para as demais, seria necessário só a poda mesmo”, avalia.

Euchroma
Dois fatores tornam as plantas frágeis. O primeiro é bem simples: como são nativas da Mata Atlântica, as espécies que margeiam a W3 têm dificuldade para fixar raízes de forma profunda no solo coberto pelo asfalto. Outro motivo é um inseto conhecido como euchroma, que ataca as espécies maguba, provenientes do cerrado. Esses bichinhos comprometem a saúde da árvore e as quedas ocorrem principalmente no período das chuvas.

De acordo com a Novacap, mais de duas mil árvores já foram sacrificadas, inclusive na W3. “Sobraram poucas magubas na via”, diz Rômulo Ervilha, chefe do Departamento de Parques e Jardinagem da Novacap. Ele garante que as espécies da avenida foram podadas duas vezes neste ano e que esse serviço tem que ser feito de forma calculada. “Não podemos tirar todos os galhos das árvores, porque assim elas ficariam descaracterizadas. Se fosse para cortar tudo, a cidade ficaria cheia de palmeiras, mas sem sombra para a comunidade”, explicou.

1 - Riscos relacionados
Nas décadas de 1970 e 1980, a Novacap plantou mudas de cambuí, sibipiruna, guapuruvu e espatódea. Esta última é conhecida em Brasília como “xixi de macaco”, porque no botão há bisnaguinhas que contêm água. Seu plantio não é recomendado para centros urbanos, porque as raízes são pouco profundas.

Obras tentam compensar derrubadas

esfeito o embargo das obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), a construção do novo meio de transporte público brasiliense conta com projeto ecologicamente correto — que prevê, todavia, o corte de árvores na única avenida com ares de alameda do Plano Piloto. “A W3 será toda revitalizada”, assegura o secretário de Obras do GDF, Jaime Alarcão. Houve, até o momento, a retirada de quatro árvores. Mas está previsto o plantio de 40 mudas de espécies nativas do cerrado no Parque das Aves, localizado entre a Estação Terminal Asa Sul do Metrô e o Zoológico.

Ao longo da construção do Trecho 2 do VLT, que liga o Setor Policial à 502 Norte, também serão plantadas, ao todo, 18,1 mil árvores no DF para compensar as remoções ao longo da W3. As medidas de conservação ambiental seguem determinações do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e ocorrem sob supervisão do Departamento de Parques e Jardins (DPJ) da Novacap. A obra é de responsabilidade do Consórcio Brastram, contratado pela Companhia Metropolitana do Distrito Federal.

O gasto estimado é de R$ 1,5 bilhão. O VLT deve ficar pronto em um ano para atender cerca de 110 mil pessoas por dia. A interrupção de parte das obras, porém, limitará as intervenções urbanísticas ao pátio de manutenção do VLT e ao viaduto do Setor Policial Militar Sul. Representantes do Ministério Público do DF exigem que o Governo do Distrito Federal (GDF) faça o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) referente aos trechos 2 e 3 do VLT e a avaliação ambiental do trecho 1.

Colaborou Guilherme Goulart
Correio Braziliense, 30 de dezembro de 2009
Fonte: http://www2.correiobraziliense.com.b...ri_cid_67.htm?

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